quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A verdade sobre a residência médica

Olá a todos,

No 1o post contei um pouco da minha formação e início das atividades de medicina. Esse é sobre a residência médica.

Primeiramente gostaria de contar um pouco sobre o processo decisório de qual residência optar. Eu lembro que durante todo o curso de medicina, e também depois de formado, sempre que alguém novo me conhecia e descobria que eu era estudante de medicina ou médico logo disparava a pergunta: "qual a sua especialidade?" Isso apenas nos mostra como o povo brasileiro exige uma especialidade médica. Essa pergunta sempre me deixava puto porque nunca enxerguei a saúde como algo compartimentalizado.  Para quem não sabe clínica médica é sim uma especialidade médica (exige 3 anos de residência), o médico recém formado é chamado de "generalista" e não "clínico geral".

Se você for num endocrinologista ele só vai querer saber de sua glicemia e TSH, se você disser que está com palpitações no coração ele logo te encaminha pro cardiologista e nem te faz uma ausculta torácica. Se você for no cardiologista e por acaso, além dos problemas de pressão e coração, estiver com problema de azia ou má digestão, ele não vai pedir nenhum exame, vai logo te encaminhar ao gastro. Esse tipo de comportamento, de enxergar a saúde como algo compartimentalizado não é só utilizado pelos médicos mas como exigido pela população. E o que me irritava era que pra mim saúde não é algo segmentado, mas geral. Poxa, então fizesse "clínica médica"! Nem a pau juvenal! Clínica médica é o pior dos dois mundos, porque além de exigir mais estudo, você recebe o mesmo que um generalista recém formado porque ninguém te acha "especial". Seguindo esse raciocínio, a residência que eu acabei optando foi a pediatria. Um dos únicos redutos da medicina que enxerga o paciente  (no caso a criança) como um todo, e não limitado ao órgão que ele estudou. Além disso há bastante mercado para a pediatria, sempre tem alguma cidade ou pronto atendimento precisando do profissional.

90% dos meus pacientes são assim

A primeira dificuldade que novamente tive de voltar aos estudos. Na residencia médica de pediatria, a relação candidato por vaga no meu estado ficou por volta de 15 candidatos por vaga, lembrando que eu disputava todas as vagas com médicos formados, ou seja, uma capacidade intelectual no mínimo razoável. Decidi trabalhar com medicina do trabalho por meio período, na parte da manhã, e passei a estudar de tarde e a noite o conteúdo cobrado para a prova. Depois de 6 meses de estudo acabei passando em um dos locais que prestei (nada fenomenal, foi minha 4a opção).

A residência de pediatria durou 2 anos (outra vantagem pois o resto das residência são a partir de 3 anos). Pra quem não sabe o salário do residente é de R$2.400 brutos, que dava uns R$2.000 liquidos pra 60hs semanais. Lixo, pois até mestre de obras ganha mais do que isso com 60hs semanais, e com muito menos estudo. Fazia então plantão extras (tornando minha qualidade de vida mais lixo) pra complementar a renda. Apesar disso, durante todo o período de residência fui bastante feliz, pois o contato com outros profissionais pediatras me fez crescer não só profissionalmente, mas também pessoalmente. Em geral os pediatras são pessoas fantásticas, e trabalhar numa enfermaria com mais 1 ou 2 colegas é muito recompensador. O ponto chato é a neonatologia.

Os neonatologias não podem ser considerados pediatras, na minha opinião. O fato deles escolherem essa subespecialidade (só lidam com recém-nascidos) só faz corroborar minha opinião: quando trabalhei na neo, praticamente todos os neonatologistas disseram que escolheram estar ali justamente pra não ter que lidar com as mães. Sim, na neonatologia você só vai e avalia o RN, que normalmente está na UTI, e praticamente não conversa com a mãe. Porra, se você não quer lidar com paciente pra que escolher medicina, e mais especificamente pediatria? Vai fazer radiologia, ou patologia, você vai ganhar mais e não ter que ver 1 paciente no resto da sua vida. Os neonatologias são pessoas frias, que adoram xingar as enfermeiras e técnicas da maneira mais imundo, e tratar os RN como "coisas" e não seres humanos. Não se engane, se seu filho estiver no CTI ele estará sendo tratado por um dos maiores lixos já produzidos pela medicina. E não era só no hospital onde fiz residência, pois conheci colegas de 4 ou 5 hospitais diferentes e todos disseram que a neonatologia era a mesma coisa, com os mesmos profissionais lixos. Odiava ficar lá, e foi um martírio sobreviver 2 meses no primeiro ano, e depois mais 2 meses no segundo ano.

No mais, após 2 anos de bastante esforço eu adquiri o título de especialista (sim, agora eu podia citar alguma especialidade quando me faziam a maldita pergunta), e foi uma ótima coisa pois não precisei ficar mais atendendo os velhinhos poliqueixosos, e minha remuneração por plantão melhorou bastante. Mesmo assim, depois de um tempo de pediatria comecei a ficar de saco cheio, não com a especialidade especificamente, mas com a medicina, pois os pacientes no fundo só querem ser enganados... E ficam putos e despejando toda hostilidade possível se você não os engana...

No próximo post mostrarei pra vocês porque grande parte (não é a maioria, mas nos desanima totalmente) dos pacientes só quer ser enganado, e a medicina pode ser extremamente frustrante.

Um comentário:

  1. Boa publicação! Independente da sua saúde, estilo de vida e idade, é necessário um acompanhamento em uma Clinica de Cardiologia , para prevenção.


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